A Birmânia saltou para as nossas casas à custa de morte e dor.
O Darfur está na comunicação social pelo sofrimento e pela angústia.
Mas que sabemos nós dos massacres sofridos pela Chéchénia?
Quem nos conta o horror do quotidiano no Iraque, no Líbano, na Palestina, no Afeganistão?
Quanta injustiça, quanta perseguição se abate sobre milhares de seres humanos , de que nós nem suspeitamos sequer?
Eis o motivo de aqui partilhar convosco o testemunho por mim publicado no "Outra Banda" , em Julho de 2003, após a minha visita ao mais tristemente célebre campo de concentração nazi.
O texto simboliza todo o meu apreço por todas as vítimas de todos os tempos.
AUSCHWITZ
" Não o anuncieis em Geth,
não derrameis lágrimas...
Na casa do pó, cobri-vos também de pó!"
Miqueias
O que vos escrevo hoje é um grito de horror e espanto. Porque pura e simplesmente não existem palavras com poder ou capacidade para transmitir, ao de leve que seja, aquilo que se sente ao transpor os portões do campo de morte nazi de Auschwitz, nome alemão de Oswiecim, Polónia, e ao ficarmos no interior daquele imenso espaço delimitado por uma dupla vedação electrificada de arame farpado.
O "slogan" , sobre a entrada de todos os campos de concentração, "Arbeit Macht Frei"("O Trabalho Liberta") gela pelo cinismo. Nessa zona tocava a orquestra utilizada por Hitler para fins de propaganda face à comunidade internacional.
A terminologia SS designava esta fábrica de morte como Konzentrationslager Auschwitz. No entanto, ela é composta por dois campos de concentração : Auschwitz, propriamente dito, e Birkenau, a uma distância de três quilómetros.
Este último, designado também como "o campo novo" , foi construído por prisioneiros para prisioneiros, e a zona feminina é separada da masculina pelo famoso ramal de caminho de ferro, em cujo cais de desembarque - conhecido por "A Rampa" - Mengele( "O Anjo da Morte") decidia da morte imediata ou da ida para o trabalho escravo dos "materiais humanos".
A razão da sua construção prende-se com a impossibilidade de em Auschwitz se gasearem e cremarem os milhares de pessoas chegando a um ritmo elevadíssimo.Apesar da sua vastidão, ficou "sómente" a meio.
Neste complexo industrial de pavor e morte, foram assassinadas a sangue-frio, entre 1940 e 1945, mais de um milhão de vítimas - cobrindo,só por exemplo, polacos, soviéticos, ciganos e judeus. Sendo a intenção hitleriana varrer do cimo da Terra tanto ciganos como judeus.
Jamais saberemos o número real, pois os alemães não se deram ao trabalho de registar as pessoas que passaram directamente dos vagões de transporte de animais para as câmaras de gás.
Tornou-se, assim, a maior vala comum do mundo e o mais conhecido lugar histórico de genocídio.
Em homenagem às vítimas, o Parlamento polaco decidiu , em 1947, preservar a área e fundar um Museu Estatal, constituído actualmente por 200 hectares de terreno, 150 edifícios e ruínas de outros 300 (destruídos pelos responsáveis nazis quando se aperceberam da derrota inevitável e souberam da aproximação do Exército Vermelho), além das várias colecções de objectos das vítimas, documentos, fotografias, testemunhos escritos, latas vazias de Zycclon B (produto tóxico utilizado para a Solução Final do Problema Judaico, ou seja, o extermínio programado e definitivo do povo judeu).
Disse-vos tudo isto, mas tudo isto é mera informação: não vos passa rigorosamente nada de uma experiência de vida impossível de esquecer e que nos provoca uma profunda mescla de emoções e sentimentos.
O poder simbólico de Auchswitz-Birkenau é tremendo, e o facto de se ter estado ali - onde a insanidade e a ferocidade do animal humano nos afundaram a todos nós no mais negro dos abismos - marca-nos tão indelevelmente a alma como os nazis alemães marcaram o corpo das sua vítimas.
Nada nos protege para este mergulho na prova provada de um período dominado por entidades profundamente malignas, que corresponderam ao subconsciente profundo de um sociedade desequilibrada, pois - já alguém o disse - tudo passa pela pessoa e respectivo contexto!
Aliás, a cruz de Shiva, no seu destruidor movimento para a esquerda, tomada como símbolo do nazismo, não permite ilusões nem enganos!
Nenhum livro, nenhum filme, nenhum documentário - nem sequer testemunhos de quem sobreviveu àquela descida a todos os infernos reais e imaginados - nos prepara para o perturbante choque de percorrermos o temido "Bloco 11" - jurisdição da Gestapo, com um muro especialmente preparado para fuzilamentos - e descermos às suas sombrias celas destinadas a torturas específicas; muito menos, para entrarmos por sobre solo propositadamente desnivelado nas câmaras de gás e vermos por cima das nossas cabeças as falsas saídas de água ou tocarmos com as nossas próprias mãos os fornos onde centenas e centenas de vítimas de todas as nacionalidades e idades foram queimadas - algumas ainda em vida!!
Primo Levi, sobrevivente deste campo de assassínio em massa, deu testemunho em "Se isto é um homem", donde retirei o seguinte excerto: " Em Birkenau, a chaminé do Forno Crematório fumega há dez dias. Estão a arranjar lugar para um enorme transporte que está a chegar do gueto de Posen... Destruir o homem é difícil, quase tanto como criá-lo; não foi fácil, não foi rápido, mas os Alemães conseguiram-no : da nossa parte nada mais têm a recear".
Ciente deste sofrimento além dos limites, uma insolúvel perplexidade me angustiou durante toda a visita : como pode o povo judeu - após ter sido vítima de tal violência e de ter sofrido perseguições durante séculos - portar-se da maneira terrível como se porta com os palestinianos, esmagando-os e aos seus direitos?!
Falei, melhor dizendo, tentei falar do indizível, da comoção que nos deixa sem voz e nos afoga em lágrimas face aos olhos que , das fotografias, nos olham e aos testemunhos simultâneamente comoventes e chocantes de uma tragédia sem nome nem tamanho, cujo peso se abate para sempre sobre a Humanidade inteira.
Espero em Deus ter conseguido, através daquilo a que a Ordem do Templo chamava "confissão negativa" deixar aqui um alerta, para que se não repita de nenhum modo ( o Mal usa muitas máscaras, como sabemos)" a experiência de quem viveu
dias em que o homem foi uma coisa aos olhos do homem.".
Termino com a palavra de esperança e confiança de dois sobreviventes - uma francesa e um polaco - do pesadelo dos campos de concentração nazis ( é bom relembrar a existência, por exemplo, de Dachau, Treblinka, Buchenwald, Leipzig) :
"Apesar de tudo, devemos alegrar-nos, pois a vitória é nossa e eles é que, com toda a sua força e com todo o seu horror, sofreram uma derrota sem retorno!"
Françoise Gautier
"Devemos seguir a Lei de Talião, olho por olho e dente por dente? É necessário isso? Devemos fazer a outros o que nos fizeram? Os Tribunais aí estão para julgar!"
Tadeusz Sobolewicz
Deus nos ilumine conforme as nossas necessidades e responsabilidades!
Bom fim-de-semana prolongado e obrigada pela companhia!
. NATAL